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A morte de um jovem trabalhador e o destino da construção civil em Itabirito

Empresa privada que já havia ganhado licitação junto da Prefeitura, sub terceirizou (previsto em edital) serviços de obras de Avenida José Farid Rahme


No dia 26 de abril de 2023, um trabalhador de 28 anos morreu soterrado em uma obra realizada pela empresa SRC Construtora que é subcontratada da empresa Contorno Construtora, ganhadora da licitação regida pelo edital nº 085/2022, que tem como objeto a contratação de serviços para a construção da segunda etapa da Avenida José Farid Rahme e reforma de pavimentação e sistema de drenagem das Ruas Belo Horizonte e Eurico Rodrigues.


Segundo nota oficial emitida pelas redes oficiais da Prefeitura de Itabirito, o acidente aconteceu nas obras da Rua Belo Horizonte, quando a vítima adentrou uma vala, de cerca de 2,5 metros de profundidade, para recolher equipamento utilizado no trabalho. O jovem trabalhador foi soterrado pelo deslizamento de terra e teve a sua vida interrompida.


Algumas informações para prosseguirmos: de acordo com o Observatório de Saúde e Segurança no Trabalho, houveram 2.538 (dois mil quinhentos e trinta e oito) óbitos notificados em decorrência de acidente no país em 2022. O estado de Minas Gerais ocupa o segundo lugar no ranking de registros de acidentes do trabalho acumulando 63,8 mil notificações, dentre as quais 273 são de acidentes com óbito. Esses dados nos revelam que as ações em saúde e segurança no trabalho precisam ser implementadas de maneira eficaz por todo empregador que tenha atividades de risco envolvidas no seu processo produtivo.


Desde 2017, a lei da terceirização passou a ser permitida para qualquer atividade da empresa (inclusive atividade-fim), sem a limitação que havia antes, quando só era autorizada a terceirização das atividades-meio da tomadora, ou seja, que não estivessem vinculadas às atividades principais da empresa, como por exemplo, serviços de limpeza, conservação, manutenção, segurança e outros. Tais medidas tornaram mais fáceis a precarização de direitos dos trabalhadores, além de diminuir a capacidade do poder público e demais órgãos que representam a mão de obra de mediar e fiscalizar as relações laborais.


foto: reprodução


O acidente fatal poderia ter sido evitado em Itabirito?


No Brasil, existem as Normas Regulamentadoras que consistem em obrigações, direitos e deveres a serem cumpridos por empregadores e trabalhadores com o objetivo de garantir trabalho seguro e sadio, prevenindo a ocorrência de doenças e acidentes de trabalho. Este acidente de trabalho que ocorreu em nossa cidade, coloca luz sobre a importância da correta execução da NR 18 que trata da Segurança e Saúde no Trabalho na Indústria da Construção. Com base nessa normativa, destacamos alguns itens da etapa da escavação, tarefa realizada no momento do óbito, para que possamos refletir se o acidente poderia ter sido evitado.


18.7.2.3 Toda escavação com profundidade superior a 1,25 m (um metro e vinte e cinco centímetros) somente pode ser iniciada com a liberação e autorização do profissional legalmente habilitado, atendendo o disposto nas normas técnicas nacionais vigentes.

Fonte: Normas Regulamentadoras da construção civil.


Será que a escavação onde aconteceu o soterramento foi liberada formalmente e autorizada por profissional legalmente habilitado? O responsável técnico pela obra precisa ser questionado, ele tem responsabilidade direta sobre a execução do serviço. Essa é a primeira etapa, fundamental para dar início a uma tarefa que envolva escavação. Precisa estar formalizada, documentada. Onde está esse documento?


18.7.2.4 O projeto das escavações deve levar em conta a característica do solo, as cargas atuantes, os riscos a que estão expostos os trabalhadores e as medidas de prevenção.

Fonte: Normas Regulamentadoras da construção civil.


Será que houve uma análise de risco feita com os trabalhadores envolvidos nessa tarefa? Quais as medidas de prevenção adotadas diante dos riscos identificados? Houve um projeto de escavação desenhado pelo Responsável Técnico?


18.7.2.7 Nas bordas da escavação, deve ser mantida uma faixa de proteção de no mínimo 1m (um metro), livre de cargas, bem como a manutenção de proteção para evitar a entrada de águas superficiais na cava da escavação.

Fonte: Normas Regulamentadoras da construção civil.


Não precisamos de um perito para identificar na imagem veiculada na internet que houve depósito de terra na borda da escavação. A imagem nos revela que existe um acúmulo de terras retiradas da vala que não respeita a distância mínima de 1m (um metro) que deveria estar livre de cargas. Ou seja, nas laterais da vala não deveria ser depositado nenhum tipo de material, para não ocorrer a sobrecarga da área. Por meio da imagem é possível perceber que o desmoronamento aconteceu exatamente do lado onde foi depositado o material.


18.7.2.8 As escavações com profundidade superior a 1,25 m (um metro e vinte e cinco centímetros) devem ser protegidas com taludes ou escoramentos definidos em projeto elaborado por profissional legalmente habilitado e devem dispor de escadas ou rampas colocadas próximas aos postos de trabalho, a fim de permitir, em caso de emergência, a saída rápida dos trabalhadores.

Fonte: Normas Regulamentadoras da construção civil.


Se a profundidade da vala é de 2,5 metros tal qual informa a nota de esclarecimento emitida pela Prefeitura, onde estão os escoramentos das paredes? Será que existiu um projeto prevendo a disposição de escoramentos, de escadas ou rampas para acesso rápido dos trabalhadores em caso de emergência?


Será que os trabalhadores envolvidos nesse serviço contratado pela Prefeitura foram devidamente capacitados, treinados, orientados? Entregar o EPI e garantir o seu uso não garante, por si só, que acidentes não aconteçam. Toda atividade da construção civil deve ser muito bem controlada, os procedimentos de trabalho devem estar amparados na legislação e contextualizados à atividade desenvolvida. Cada ambiente de trabalho pode envolver diferentes riscos, portanto, o monitoramento é contínuo. Nenhuma tarefa de risco pode ser iniciada sem autorização do responsável técnico e sem que todo o aparato de segurança necessário esteja disponível.


Portanto, percebemos numa primeira e breve observação que existem uma sucessão de erros técnicos que antecederam a ocorrência do óbito. Isso é inegável, a legislação nos revela isso.


Entendemos que o acidente fatal desse jovem trabalhador poderia ter sido evitado se todas as medidas de segurança tivessem sido tomadas e se as fiscalizações e vistorias tivessem sido eficazes e técnicas.


Há um vício no setor público de gestores de contratos fiscalizarem as frentes de serviço apenas para concluir a medição dos trabalhos executados, ou seja, verificar até onde a empresa cumpriu o plano de trabalho.


Raramente são fiscalizadas as condições de trabalho durante essas vistorias. Será que os fiscais de obras sabem como os trabalhadores bebem água fresca, acessam o banheiro, se alimentam, se protegem do sol? Será que sabem quais são os equipamentos de proteção adequados ao risco da atividade? E no que diz respeito às tarefas de alto risco como o trabalho em altura e escavações, será que os fiscais desses contratos têm capacidade técnica para identificarem os erros existentes em campo à luz do que orienta a legislação de saúde e segurança no trabalho?


O setor da construção civil é um dos que mais mata no Brasil. Portanto é urgente que a Prefeitura de Itabirito tome providências capazes de mudar o atual cenário de fiscalização e vistoria.


Provavelmente a obra de drenagem será entregue, mas às custas do sangue do Robert Kenedy Silva de Oliveira Nascimento, um jovem de 28 anos, que teve seus sonhos soterrados pela negligência de empresas, projetos, pessoas, descomprometidas com a vida, mas comprometidas com o lucro. Esse é o perfil da construção civil em todo o Brasil.


A comunidade Itabiritense cobra por responsabilização! Não queremos que empresas como essas sigam prestando serviços na cidade. Os contratos devem ser suspensos imediatamente e as obras de responsabilidade das empresas Contorno Construtora e SRC Construtora interditadas.


Quanto vale uma vida? Quanto vale uma obra entregue? No ano do centenário da cidade, a prefeitura, além de entregar obras superfaturadas, entregará também a morte de um jovem que poderia ter sido evitada. Queremos justiça! Verdadeiras justiças. Uma mudança de paradigma. É possível e uma necessidade presente! Quais os processos, os objetivos e os rumos de obras de construção civil nas cidades brasileiras, inclusive Itabirito? Os interesses dos mais ricos devem ser derrubados, para que jovens trabalhadores possam ter dignidade e não morram em nome do lucro.

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