EDITORIAL TRIBUNA POPULAR
Itabirito, Minas Gerais, 11 de janeiro de 2021.
Itabirito acordou debaixo de lama nesta segunda-feira (10/01). O município foi duramente atingido com um volume muito elevado de água, causando alagamento em diversos pontos da cidade; deslizamento de terras, barrancos e encostas; desmoronamento de muros, atingindo casas e comércios da cidade. O Córrego da Carioca, o Córrego "Criminoso" no São José e o Rio Itabirito (que corta a cidade) ultrapassaram os níveis, e ao longo de toda região central e alguns bairros houve inundações.
Ainda não temos números precisos, mas o estrago foi realmente grande. Comerciantes estão sofrendo com as perdas de mercadorias e equipamentos, e o desastre do atingimento de casas e outras edificações é ainda incalculável. Edificações públicas também foram atingidas, comprometendo o acesso a serviços.
A rede de abastecimento de água em vários pontos no município está muito comprometida, segundo informações do boletim oficial do SAAE Itabirito. Também houve interrupção do fornecimento de energia elétrica em diversas áreas.
Os acessos ao município também foram duramente atingidos. A rodovia BR-356 no momento está fechada (na altura do Posto Tabari). A BR-040 esteve interditada — tendo em vista mais um desastre ecológico/social. Desta vez por responsabilidade da mineradora do grupo francês Vallourec, num transbordamento da barragem da Mina Pau Branco, localizada na Serra da Moeda. Além dos bloqueios nas rodovias de acesso, o deslocamento interno na cidade está bastante comprometido.
A situação é crítica e a cidade está destruída.
A Prefeitura de Itabirito declarou estado de calamidade pública e em alguns pontos têm acontecido arrecadação de doações, como medidas de cuidados urgentes e ajuda imediata. Esses são alguns pontos de coleta anunciados: IFMG Campus Itabirito, Faculdade Alis (Matozinhos), UNIPAC (Novo Itabirito), Igreja São Sebastião (Centro) e Boutique de Carnes Pedro Medeiros (Saudade). Os principais itens para doação são roupas, roupas de cama, produtos de higiene pessoal, produtos de limpeza e água potável. A Escola Natália Donada Melillo, na entrada para o bairro São José, está contando com uma estrutura para atendimento de pessoas desabrigadas. Os atendimentos da Assistência Social estão concentrados na Escola Municipal José Ferreira Bastos.
Olhamos para cima sem entender. Olhamos para frente e lamentamos a destruição. Temos vontade de nos unir. Mas também queremos nos livrar. E em períodos de reparação e reconstrução, o "terreno" infelizmente é também de desinformação.
O comportamento padrão da grande imprensa e do governo em geral é de priorizar o foco na intensidade da chuva. É aí que mora o problema! Afinal de contas, o problemão que os municípios enfrentam com enchentes e rompimentos não vem de cima.
Com o intuito de nos aprofundarmos nas questões envolvendo este grande desastre em Itabirito, vamos responder algumas perguntas, refletir, analisar e trazer dados, gráficos e informações relevantes ao tema.
É preciso reparar.
POR QUE TRANSBORDA?
O aumento da impermeabilização dos solos, o que provoca diminuição na infiltração das águas nos terrenos, consiste num dos elementos centrais para provocar enchentes e inundações. Outro aspecto que também contribui para enchentes são as canalizações ou mudanças de cursos d’água, causando acúmulos e alterações nas vazões naturais das águas.
Itabirito foi construída ao redor de cursos d’água, o que intensifica estes processos, devido às alterações no solo. Dentre os principais fatores que agravam a situação da impermeabilização dos solos na nossa região, destacam-se as atividades minerárias que desmatam, suprimindo vegetações nativas, mudando cursos d’água e diminuindo áreas de infiltração das águas das chuvas. Além disso, o uso indiscriminado de asfaltamentos e o número cada vez mais elevado de desmatamento intensificam a impermeabilização das cidades.
Portanto, é correto afirmar que as enchentes decorrem, principalmente, do aumento da velocidade das águas de escoamento superficial, causado pelos impactos ambientais da chamada "exploração capitalista dos territórios". Nessa perspectiva, podemos entender que desastres como esse em Itabirito e em outras centenas de cidades mineiras são socialmente construídos, ou seja, não são desastres meramente naturais.
VOLUME
Fatores que chamaram a atenção em Itabirito foram o volume de águas e a força das enxurradas. Em vídeos feitos por moradores da cidade, a situação foi exposta e causou muita estranheza. Afinal de contas, a elevação do volume da água foi tamanha que fica desproporcional se satisfazer apenas com a justificativa da chuva.
AUMENTA A ÁREA DE EXPLORAÇÃO MINERAL EM ITABIRITO
Um dos grandes impactos da mineração é sobre o solo superficial, que possui maior fertilidade e vegetação. Quando removido, expõe os solos remanescentes aos processos erosivos que podem causar o assoreamento dos cursos d’água do entorno.
Em Itabirito, ano após ano, vem crescendo a área de exploração mineral, ampliando os impactos ambientais. No ano de 2020, mais de 2,2 mil hectares (equivalente a 2,2 mil campos de futebol) do município de Itabirito foram áreas de exploração mineral.
Gráfico que aponta o aumento da área de exploração mineral do município, em hectares. (Fonte: Projeto MapBiomas)
De acordo com os dados do Departamento Nacional de Produção Mineral, no ano de 2014, no estado de Minas Gerais, haviam 258.610,7 km² (44,09% do estado) em alguma fase de concessão para mineradoras, sendo que, desses, 64.530,62 (11,00% do estado) já foram concedidos ou liberados. No total foram registrados 40.614 empreendimentos, de tais, a maior parte (4.908; 12,08%) são de minério de ferro. (Dados: Projeto MapBiomas – Mapeamento anual da cobertura e uso da terra).
MUDANÇAS NO CÓDIGO FLORESTAL QUE POTENCIALIZAM ENCHENTES
No final de 2021, o Congresso Nacional aprovou o Projeto de Lei n.° 2.510, que altera o Código Florestal, municipalizando a proteção ambiental de margens de rios em perímetro urbano e autorizando, até que não haja nenhuma área de proteção marginal, áreas que atualmente são de proteção permanente (APPs).
O projeto, arquitetado com o apoio de ruralistas e do governo Bolsonaro, teve 234 votos a favor e 137 contra. Um dos principais problemas é que legaliza ainda mais desmatamento, trocando águas e matas ciliares por concreto/asfalto.
A faixa não edificável, onde é proibido construir em volta de rios e lagos urbanos, atualmente é determinada pelo Código Florestal e vai de 30 a 500 metros, de acordo com a largura do corpo d’água. Ela é fundamental para garantir a saúde dos mananciais, reservando espaço à mata ciliar, e possibilita a absorção da água das chuvas pelo solo.
Segundo informações da revista do Projeto Manuelzão, o Projeto de Lei n.° 2.510 representa um grande retrocesso, que coloca em risco os rios, as cidades e as pessoas. As faixas de proteção dos cursos d’água estão entre os principais responsáveis por evitar desastres como enchentes, inundações e deslizamento de encostas, relacionados à perda de cobertura vegetal e à consequente impermeabilização do solo.
É fundamental que o povo itabiritense saiba quais deputados conhecidos na região votaram a favor desse projeto de destruição:
Eduardo Barbosa (PSDB-MG)
Eros Biondini (PROS-MG)
Greyce Elias (Avante-MG)
Junio Amaral (PSL-MG)
Paulo Abi-Ackel (PSDB-MG)
Marcelo Aro (PP-MG)
É importante considerar também que em Itabirito o atual governo Orlando não esconde a sua obsessão por licitações de asfaltos. No último período, foram gastos mais de 30 milhões de reais — com graves questionamentos sobre os "critérios para asfaltar", usados por Orlando e seus aliados. Comprovando o comportamento obcecado, a previsão é que o município gaste outra fortuna milionária em mais uma licitação de asfaltos em 2022.
LOTEAMENTOS E GRANDES CONDOMÍNIOS
Uma das principais formas de ocupação dos espaços urbanos em Itabirito tem sido a de loteamentos. Dezenas de loteamentos e condomínios privados têm surgido em Itabirito. Seguindo uma perversa lógica de serviência à especulação imobiliária, a moradia se torna uma das mercadorias mais especiais do modelo capitalista.
A luta de classes se expressa com toda a força na chamada valorização dos espaços, nos investimentos regionalizados e também na mobilidade urbana.
Com um poder público inoperante (estado e município), e sem nenhum projeto urgente de habitação e moradia popular, muitos loteamentos surgem em Itabirito com preços elevadíssimos, passando anos e anos com poucas casas — e sem cumprir a função social de moradia.
Não sabemos sobre a existência de um devido planejamento de escoamento de águas na criação desses loteamentos em Itabirito. Cabe ressaltar também que praticamente todos são criados com asfalto, sendo que outras formas de pavimentação poderiam ser utilizadas, que permitissem maior infiltração de águas de chuva no solo. Com a anuência do CODEMA — Conselho de Meio Ambiente sobre os processos de licenciamento na abertura de loteamentos, nunca solicita um estudo aprofundado sobre os impactos das áreas que serão impermeabilizadas.
Além do mais, sempre justificam a viabilidade de loteamentos por ser área antropizada e nunca pensam em outras alternativas possíveis de urbanização e ocupação dentro desses espaços. É vergonhoso que em pleno século XXI o CODEMA continue pedindo mudas de plantas como medida compensatória de instalação de loteamentos. Os impactos de empreendimentos imobiliários dentro da cidade são enormes, especialmente no que diz respeito à impermeabilização dos solos.
Um termo muito utilizado, quando o assunto são enchentes e inundações, são as chamadas "áreas de riscos" — a habitação em locais próximos a rios, encostas e barrancos. As áreas de risco majoritariamente são ocupadas por pessoas pobres e trabalhadoras. O risco atinge sistematicamente uma classe e cor específicas. E não é atoa que as degradações ambientais atinjam exatamente a essas pessoas. É preciso esclarecer que os riscos de enchentes, os riscos de desabamentos de casas nas chuvas são uma imagem refletida das omissões do poder público.
Os municípios acabam se tornando reféns dessa terrível lógica de ocupação dos solos e espaços urbanos. Áreas de risco são visivelmente questões de classe e de cor. Enquanto a elite branca mora em luxuosas mansões em condomínios, restam aos trabalhadores e povo pobre as regiões mais precárias da cidade. A atuação da especulação imobiliária, que captura um grande pedaço do baixo salário dos trabalhadores, tem a escassez como sua principal ferramenta de domínio.
A "mercadoria moradia" se baseia na escassez.
É preciso sair da superfície. Criar mecanismos e trabalhar conceitos para alternativas que, de fato, interessem aos trabalhadores.
INTERESSE DA CIDADE
Região Central e vários bairros ficaram sob lama e destruição. Imagem: internet (WhatsApp)
Em tempos de profunda discussão sobre questões ambientais e ecológicas, é preciso cada vez mais provocar um amplo debate sobre as formas de vida social e o modo de produção capitalista.
O avanço da atividade minerária em Itabirito reflete e representa uma grave realidade de concentração de renda e de riscos ao meio ambiente.
Os lucros da principal mineradora, a Vale, passam de 20 bilhões de reais a cada trimestre (três meses). E para onde vai todo esse dinheiro? Principalmente, para os donos da propriedade. Os lucros e dividendos da pessoa jurídica representam verdadeiras "boladas" para os principais acionistas dessas grandes mineradoras.
Em contrapartida, esses grupos oferecem danos irreparáveis e colocam os municípios como verdadeiros reféns de sua dominação — territorial e econômica.
É uma medida desproporcional. Uma lógica de exploração do trabalho e das riquezas.
As pessoas e a natureza não aguentam mais. Desde a privatização desta grande mineradora, as coisas têm ficado ainda piores. É urgente a reestatização da Vale e de todo setor minerário brasileiro.
Recentemente saiu um vídeo do Prefeito Orlando, junto ao Secretário de Esportes e Lazer, comemorando a pintura de uma quadra esportiva numa escola, quando agradeciam em demasia essa "grande senhora Vale" pela pintura. Numa linguagem bem simples: em cada "cavacada" de minério e ouro, saem milhões e milhões de dólares para exportação e lucro concentrado em quem não participa de nenhuma etapa produtiva. E para os municípios vai sobrar pintura de quadra? Iluminação de praça? Como agradecer uma empresa que matou o Rio Doce, devastou Mariana, Brumadinho e ceifou milhares de vidas?
Está muito desproporcional. É o cúmulo!
A devastação ecológica e social tem sido há muito denunciada. E os desastres vêm vindo.
Os governos e sociedade precisam abrir os olhos. Esta velha sociedade pautada no lucro está ruindo. Construamos a nova sociedade em que seja inegociável o direito à vida, e vida em abundância!
Esperamos que não precise acontecer em Itabirito o que aconteceu em Brumadinho.
Editorial Tribuna Popular
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