Por Rebeca Sena
A educação no Brasil caminha lutando, há algum tempo, com machado e foice em mãos contra os projetos de desmonte, sucateamento, privatização e segregação. Debater o acesso ao ensino de qualidade, levando em consideração a população preta e pobre, é um trabalho árduo. Historicamente, sabe-se que o ensino médio, para essa parcela da sociedade, ainda não é um direito e sim um privilégio, o que prova isso são os dados de evasão escolar:
No atual cenário nacional, o aumento da evasão escolar acontece por obstáculos como a necessidade dos jovens estudantes de buscar ganho extra para ajudar em suas casas, em decorrência da falta de renda mínima para a garantia de alimento e produtos de higiene, por exemplo. Ademais, a falta de ferramentas e local adequado para o estudo remoto aliados à difícil conexão com a internet são os principais pontos dificultadores enfrentados pelos que resistem tentando dar continuidade aos estudos. Em agosto de 2020, estudos mostraram que 46 milhões de brasileiros não têm acesso à internet, sendo que, desse total, 45% justificam a falta de acesso pelo alto custo do serviço e 37% desses cidadãos relatam não possuir aparelho celular, computador ou tablet como uma das principais razões.
Por último e ainda muito relevante, é necessário considerar também a saúde mental dessa parcela que são os mais afetados pelo luto dos familiares perdidos pela covid-19 e a negligência de um governo genocida que insiste no negacionismo e na desmotivação da vacinação no país.
O que o desgoverno de Bolsonaro faz é deixar o povo sem um auxílio emergencial decente para garantir o sustento de muitas famílias brasileiras. Assim, muitos jovens, em sua maioria estudantes do Ensino Médio que, antes estavam matriculados em turno da manhã, não podem mais participar das aulas devido à necessidade urgente de sair para trabalhar em horários exaustivos, completando a renda familiar que caiu consideravelmente com a pandemia. Ou seja, se antes podíamos perceber um alto índice de evasão, agora as coisas tendem a piorar gradativamente. Outro problema presente nos lares é o aumento do desemprego que se tornou realidade de muitas mulheres mães, que retornam aos lares para cuidar de seus filhos e assumirem mais uma carga - a de auxílio escolar para suas crianças. O que podemos ver nesse novo contexto é o aumento de uma desigualdade que já era presente e que, agora, se torna ainda mais acentuado e difícil de recuperar. Os danos causados pelo desgoverno, durante a pandemia da covid-19, para a educação são atuais, mas veremos esses reflexos por muitos anos à frente.
Como universitária federal e professora de inglês em uma escola particular, o relato que trago é de insegurança e impotência. Os primeiros passos dados pela instituição onde trabalho para continuidade dos estudos, de forma remota, chocaram-me pela distância da realidade que enxergamos entre os estudantes que estão matriculados em unidades particulares e públicas. Sabemos que nas escolas públicas do país existe uma parcela de alunos e alunas que têm somente uma refeição adequada por dia – quando estão no ambiente escolar. De acordo com levantamento do IBGE, recentemente, o Brasil possui cerca de nove milhões de crianças e adolescentes em situação de extrema pobreza. Comparar a realidade desses e dessas estudantes por parâmetros sociais é injusto. Tratar o desmonte da educação e os impactos da pandemia do novo corona vírus como algo generalizado e de iguais prejuízos a todos, ignorando a estrutura discrepante que alguns possuem em detrimento de outros, é insensível!
O sentimento de impotência e insegurança surge quando, ao discutir o ensino remoto na escola particular, questões como “Todos e todas terão computadores para acompanharem as aulas?”, “E o acesso à internet?”, “Haverá um ambiente ideal para essas crianças e jovens em suas casas?” não precisam ser preocupações; enquanto, no âmbito de escolas públicas, há questões de alimentação, moradia, proteção e higiene, por exemplo, antes mesmo de se pensar na educação. Ao assistir às crianças e os jovens do meu bairro relatando as experiências de falta de internet e aparelhos eletrônicos de qualidade para acompanhamento das aulas, assim como em minha casa, os sentimentos de ira contra o desgoverno de Bolsonaro aumentam na mesma medida em que as perspectivas de um futuro digno diminuem, já que, ao pensar no futuro, só conseguimos enxergar uma vala cada vez mais larga e profunda entre as classes sociais e o sonho distante da democratização de uma educação de qualidade.
Como professora, o contato com uma realidade bastante diferente da que vivo foi uma barreira inicial. Atualmente, pais, mães e responsáveis poderem me assistir em aulas gravadas ou ao lado das filhas e filhos, juntamente ao aumento dos possíveis julgamentos, foram fatos assustadores. Ao longo dos anos, pessoas pretas são questionadas pela sociedade sobre o mérito e a capacidade para os lugares que ocupam e reafirmar o merecimento desses lugares, como o meu de professora de inglês em uma escola particular, foi e está sendo um processo cansativo. O mesmo se repete ao debater o estudo remoto na universidade.
O processo é exaustivo. Ser mulher, pobre, preta, universitária e professora no período de pandemia é conviver com a certeza de um amanhã de restrição econômica, desemprego, morte, ascensão das desigualdades sociais e raciais, sonhos destruídos e desesperança.
É preciso nos organizarmos politicamente, unirmos forças e transformarmos a ira pelas injustiças em vontade de lutar: pela ruptura do capitalismo, por uma educação pública, gratuita e de qualidade para nosso povo, e por um poder popular!
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